Após uma pequena pausa no blog, o Sexta Marcha volta com tudo, trazendo a segunda parte do especial sobre a carreira de piloto de Guy Ligier. A primeira parte pode ser lida aqui.
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Seis semanas após sua primeira corrida na Fórmula Um, o Syracuse GP de 1966, Guy se preparou para o BRDC International Trophy, outra corrida extra-campeonato. Mas antes, um pouco sobre o tal BRDC International Trophy.
Em meados de 1949, a British Racing Driver’s Association estava sem muito o que fazer. Para matar o tempo, criaram uma corrida, que seria realizada anualmente em Silverstone. O nome foi vagamente baseado em uma antiga corrida realizada em no circuito de Brooklands, na década de 30. Criada a corrida, realiada em um estranho sistema de três coridas menores, restou aos pobres pilotos correrem. A primeira edição, ainda em 1949, teve como vencedor o lendário Alberto Ascari, a bordo de um Alfa Romeo. A nota triste ficou por conta do acidente fatal de St John Horsfall. Nos anos seguintes, a prova passou a fazer parte do calendário regular da Fórmula Um, mas apenas como uma etapa extra-campeonato. Porém, a partir de 1979, a corrida passou a ser disputada apenas por carros de Fórmula 2. Isso durou sete anos, até a F2 ser extinta e substituída pela F3000. A corrida então prosseguiu sendo disputada até 2004 – não acontecendo apenas em 1991, devido a reformas no circuito de Silverstone – em um sistema que me lembra o GP de Macau de Fórmula 3. A partir de 2005, com o advento da GP2, os organizadores decidiram transformar a corrida em um evento ainda mais simbólico, com carros dos tempos áureos da Fórmula Um disputando a prova. Em três décadas e meia de competição como uma corrida de categorias de base, vários ganhadores chegaram à F1, porém, incrivelmente, nenhum deles se sagrou campeão mundial.
E após essa incursão histórica, voltemos a falar de Guy.
Para o tal BRDC International Trophy, Guy estava ligeiramente confiante. Mas com uma pulga atrás da orelha. O desempenho na corrida de estréia não havia sido dos melhores, e os problemas de confiabilidade de seu Cooper T81 começavam a aflorar. Em Silverstone, apenas 13 pilotos participariam da prova, que não estava com um grid dos mais cheios. Na qualificação, o pole foi Jack Brahbam, marcando um tempo apenas 0,2 segundos melhor que o segundo colocado John Surtees, da Ferrari. Guy se deu mal e marcou apenas o décimo segundo tempo. Conhecido amigavelmente por penúltimo. Ficou à frente apenas de Paul Hawkins e seu Lotus ultrapassado.
A sorte de Ligier porém, parecia estar prestes a mudar. Jo Siffert, portando outro Cooper T81, havia conseguido o sétimo tempo, quase seis segundos mais rápido que Guy, e usando o mesmo carro. Porém, um problema o obrigou a largar do fundo do grid, cedendo uma posição ao intrépido Ligier. Felizão, o francês não sabia que as coisas iriam piorar.
Ainda antes da largada, o carro número 9 de Ligier deu mais um de seus problemas e acabou deixando o francês na mão. Fim de prova, antes mesmo do começo. A corrida seguiu normalmente e o vencedor acabou por ser Jack Brahbam, seguido de John Surtees e completando o pódio Jo Bonnier, utiliazando outro famigerado Cooper T81. Essa corrida também marcou o último pódio de Jo Bonnier na Fórmula Um.
Tristonho, Ligier foi para o principado participar do Grande Prêmio de Mônaco, a abertura do campeonato, com um carro com problemas de confiabilidade, um chassi cambaleante e um sobrepeso de 100kg! E aí a coisa começou a engrossar. Contra outros 16 pilotos, Ligier não teria vida fácil. Terminar a corrida já seria algo a comemorar, pontos então, motivo de festa. Há duas curiosidades sobre a corrida que eu gostaria de destacar: durante os treinos livres, foram filmadas cenas do filme Grand Prix , lançado naquele ano. Se você quiser saber um pouco sobre o filme, a Wikipedia está aqui para isso. O GP de Mônaco de 1966 também marcou a estréia da equipe de Bruce McLaren na F1, dando início à história de um dos maiores times da Fórmula Um. Prossigam.
Na classificação, Ligier não andou muito bem e honrou apenas o décimo quinto lugar, penúltimo lugar no grid, a frente apenas de Jo Bonnier. Guy até gostou do resultado: se classificou a frente de um cara experiente que utilizava o mesmo carro que o seu. Nada mal, mas ainda era uma última fila. Ele se sentiu exatamente como Karthikeyan se sentiria caso superasse De La Rosa, simplificando. Phil Hill e seu Lotus acabaram nem participando da corrida, o que deixou o grid apenas com 16 participantes. O Top-3 lá na frente foi formado por pilotos sem expressão, como Jim Clark, John Surtees e Jackie Stewart. Sem expressão alguma.
A corrida foi um Deus nos acuda, com abandonos a rodo e poucos sobrevivendo às 100 voltas da corrida. Na volta 61, apenas sete pilotos continuavam na prova, entre eles, o incauto Guy, algumas voltas atrás. E então, um novo parágrafo se faz necessário para explicar as posições ao final da corrida.
O vencedor foi Jackie Stewart, com Lorenzo Bandini em segundo e Graham Hill em terceiro – este, uma volta atrás. Em quarto, cinco voltas atrás, o desconhecido Bob Bondurant, que por mais que eu tentasse não consegui idealizar um trocadilho com seu nome. O quinto lugar era de Richie Ginther, que teve problemas no seu Cooper T81 e abandonou faltando 20 voltas para o final. Em sexto, Guy Ligier, 25 voltas atrás. Vejam bem, ele não abandonou a corrida, simplesmente terminou 25 voltas atrás do líder. Portanto, apesar de “chegar ao fim”, foi classificado atrás de Ginther, pois este completou mais voltas. Se isso não é o bastante, o sétimo lugar ficou com Jo Bonnier, 27 voltas de delay. Pelo regulamento de 1966, os carros deveriam completar pelo menos 90% da prova para receber os pontos, o que deixava o trio da Cooper zerado. Guy, apesar do sexto lugar, ganhou mas não levou. Assim como teria acontecido em Syracuse, caso esta prova valesse pontos. E foi por isso que eu fiz uma observação em itálico no final da primeira parte. Agora ela faz sentido.